Veneno - Um milhão e seiscentos mil quilômetros |
Cruzar o Peru, passar pelo Equador e entrar nas selvas Colombianas. Dá pra imaginar? Você tem peito? Você agüenta? Pois é tigrão. Viramos gatinhos, pois perante um cabra macho como o sr. Ernesto, que hoje está perto de completar 89 anos, e que topou essa e outras paradas já com mais de 60 anos nas costas só nos resta miar. Miau! O sr. Ernesto, austríaco de nascimento,
agrônomo da indústria Basf de Defensivos Agrícolas, é um Carros em suas mãos não duravam um ano. Fusca, Jeep, Rural, Kombi, todos se liquefaziam. Motores a ar da Volks não chegavam a durar 80 000 km e já fundiam. Não tem problema, pega um carro novo e toca pro Ceará, Pará, Acre, Maranhão, Mato Grosso... tudo por terra. Coisa de macho. Coisa de gente determinada. Em 1970, seu filho lhe disse que estavam fazendo carros de plástico lá em Rio Claro. Seu Ernesto, já cheio desses carrinhos descartáveis, resolve investigar e visita a recém-inaugurada fábrica da Gurgel para conhecer os tais jeep de fibra de vidro e com motor da Volks. Quando o entusiasta sr. João Gurgel proprietário da fábrica ficou sabendo do uso que eu pretendia dar ao seu carro, logo veio falar comigo e fizemos um acordo onde eu seria uma espécie de piloto de testes para relatar todos os problemas que surgissem, conta Ernesto; em compensação eu teria todas as modificações que pedisse, sem ônus. O maior problema constatado foi o superaquecimento do motor. Esse motor foi idealizado para evitar os problemas do congelamento da água do radiador. Naquele tempo, década de trinta quando foi projetado, ainda não havia produtos que evitassem o congelamento da água, então, ou guardava-se o carro na garagem ou éramos obrigados a esvaziar o radiador para que não estourasse, diz Ernesto, o Fusca, carro do povo, era para ser um automóvel destinado ao consumidor que não tivesse poder aquisitivo para possuir garagem. O Fusca era pra dormir na rua mesmo, humilde. Primeira providência que tomamos foi a colocação de relógios de temperatura e pressão de óleo. Constatamos que a temperatura ideal para funcionamento desse motor girava em torno de 95 graus. Acima disso, o óleo perdia a viscosidade e o atrito decorrente desgastava o motor. Solução: adaptamos mais um radiador de óleo dentro da ventoinha, agora, em vez de um só, tínhamos dois em seqüencia. Além disso, para aumentar o fluxo de bombeamento do óleo, trocamos a bomba original pela do SP2, que bombeia 35% mais volume, dá a dica. Quando eu ia para o frio Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul eu punha óleo 20 ou 40. Quando ia pro Norte e Nordeste, trocava o óleo para o Aero-Shell, que era de aviação e podia atingir maiores temperaturas sem perda de viscosidade, orienta Ernesto. Com isso, conseguiram baixar a temperatura
dos 110 para os 90 a 95 graus. Resultado: o motor assim adaptado, um VW 1 500, rodou
incríveis 470 mil quilômetros sem problemas. Dá pra acreditar? Pois é verdade. E não
rodou folgadinho não. Foi só pauleira, extremos de calor amazonense ao frio andino. Problemas com atoleiros? Solução fácil e muito prática tirada dos freios de tratores: freio de mão duplo. Além da alavanca normal do freio de mão, o X12 tinha dois comandos de freio de mão um para cada roda traseira assim, quando o carro atolava, empurrava-se os dois comandos com uma só mão, engatava-se a marcha e soltava-se a embreagem. O comando que vibrasse seria o da roda que estava com patinação, então, travava-se este e soltava-se o outro.
Na Argentina, década de 70, eram tantas as
tradicionais corridas de carreteras foi assim que Fangio começou a carreira nos
idos de 40 por aquelas estradas de terra, que Ernesto adaptou uma grade à frente
do vidro pára-brisa. Era muita pedra que voava daqueles malucos que passavam a 170, 180
por hora, naquelas intermináveis retas cascalhadas argentinas... seu Ernesto, de
Gurgelzinho azul, a uns oitentinha, carregado de caixas de plantas para estudos, engolindo
tanto pó que se cuspisse sairiam tijolos, e carrões de tudo quanto é tipo, sem
pára-lamas, motores V8 preparados com mais de trezentos cavalos... rroooaaammm... e seu
Ernesto lá... tchic, tchic, tchic... coff, coff, coff. Uma planta, por exemplo, um
tomateiro, cria diferentes características de folhas e frutos dependendo do Portanto, meus amigos, tiremos nossos
chapéus ou bonés para essa valente dupla. Muitos cultivos na América do Sul foram
possíveis devido ao esforço desse homem e seu inseparável Gurgel. P.S.
Quando fui entrevistar o sr. Ernesto, o seu Gurgel X12 estava numa garagem que tinha uma
rampa logo à sua entrada. Ele estava sem bateria e com dois pneus murchos. Se nós o
empurrássemos para fora, para as fotos, teríamos muita dificuldade em recolocá-lo no
seu devido lugar. Não quis incomodar nosso amigo Ernesto. Achei melhor ouvir o que ele
tinha para contar de suas aventuras e narrar uma parte delas pra vocês... tigrões
felpudos de almofada. Miau!!
Por Arnaldo Keller
Material original do Site do Jornal PRIMEIRA MÃO
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First on air on 13OCT2002